Desde o aparecimento de seres artificiais nas histórias de ficção, como o hediondo e sapiente Frankstein, e os próprios roboti’s, da influente peça Rossumovi Univerzální Roboti – RUR, lançada no longínquo ano de 1921, esses personagens e seus destinos revelaram muito do que viveríamos hoje em termos de inteligência artificial.
John McCarthy, que cunhou o termo em 1956 e foi um dos maiores entusiastas e influenciadores do assunto, definiu inteligência artificial como a ciência de construir máquinas inteligentes, em especial programas de computador inteligentes capazes de resolver problemas no mundo.
Mas, afinal, como a inteligência artificial pode contribuir para a resolução de problemas complexos, otimizar tarefas repetitivas, reduzir custos e dar mais efetividade a certas operações, tornando o desenvolvimento tecnológico uma realidade indissociável e colaborativa?
A evolução da inteligência artificial está acontecendo de forma exponencial, fato que pode assustar profissionais, companhias e levanta discussões, principalmente no que diz respeito à possibilidade do raciocínio da máquina substituir a própria atividade humana.
No entanto, no lugar de se deixarem levar por assombros ficcionais ou teorias de que os empregos chegarão ao fim – o que não é verdade, já que a máquina apenas substitui empregos “ultrapassados” – algumas iniciativas em curso nos dão uma ideia do que esperar para o futuro.
Vamos ver?
1. Prevenção de crimes
Ainda estamos longe de viver o cenário imaginado por Philip K. Dick, no filme Minority Report, mas a inteligência artificial já está ajudando a polícia a “prever” crimes.
Um exemplo é o x-Law. Desenvolvido por um agente policial de Nápoles, na Itália, o sistema de inteligência artificial consegue identificar o local em que há mais chance de ocorrer um crime.
Mas esse não é o primeiro sistema do tipo a ser usado pela polícia. Em New Orleans, a prefeitura utilizou a inteligência artificial para identificar padrões de criminalidade, cruzando os arquivos do departamento de polícia com informações públicas das redes sociais e o próprio mapa da cidade.
Foi possível, inclusive, descobrir a conexão de certas pessoas com gangues locais e as chances de indivíduos tornarem-se vítimas de algum crime em determinada região.
De fato, ainda tudo muito “primitivo”, envolto a polêmicas, necessitando debates sociais e jurídicos profundos, mas sem dúvida uma utilização da inteligência artificial sem volta.
2. Combate e investigação de fraudes
Um caso emblemático envolvendo fraudes bancária foi o ataque cibernético contra o Banco Central de Bangladesh, em 2016, quando um grupo de rackers tentou retirar do banco a quantia de US$ 1 bilhão.
Analisando as transações e o comportamento do usuário, a inteligência artificial é capaz de oferecer dados mais qualificados e identificar uma operação fora do padrão, protegendo contas e cadastros dos usuários e evitando fraudes.
No Reino Unido, os algoritmos de inteligência artificial também estão sendo utilizados para investigar o perfil das pessoas nas mídias sociais e descobrir se existe alguma inconsistência entre as histórias que elas contam ao requerer algum benefício do governo.e a realidade que pode ser conferida por meio das suas atividades nas redes.
3. Análise de contratos e previsibilidade de decisões judiciais
Ler e interpretar documentos leva tempo, e a mínima desatenção pode causar prejuízos financeiros num processo de fusão e aquisição de empresas, por exemplo.
Mas existem sistemas capazes de realizar ou revisar contratos sem qualquer interação humana, apenas com base em inteligência artificial.
A inteligência artificial será uma poderosa aliada dos serviços jurídicos e da própria prestação jurisdicional do Estado, capaz de efetuar a análise de riscos em contratos e planejamentos diversos, leitura de processos e documentos, entre outros.
A inteligência artificial permitirá que os operadores do direito foque em questões de natureza eminentemente humana, mais filosóficas, ou seja, que “pensem o direito”, deixando a operacionalidade de questões repetitivas aos cuidados da inteligência artificial. Esse comensalismo fará surgir os “superprofissionais”, precisos como máquinas e criativos e pensadores como apenas os seres humanos podem ser.
O advogado especializado pensará no negócio de seus clientes, em soluções juridicamente criativas e inovadoras para problemas modernos e disruptivos, deixando a inteligência artificial cuidar da rotina contratual, de compliance tributária, trabalhista, etc.
4. Análises preditivas e tomada de decisões
Um dos principais avanços da transformação digital no mundo jurídico foi a implementação do processo eletrônico. A partir disso, milhões de páginas de papel tornaram-se um acervo gigantesco de dados em constante crescimento: um big data jurídico.
Com a inteligência artificial, é possível usar esses dados coletados para avaliar as probabilidades de uma ação judicial ter êxito, melhorando significativamente a previsibilidade e eficácia dos resultados.
Imagine poder avaliar como um caso semelhante ao seu foi julgado por determinado juiz? Se a probabilidade é de que a ação não tenha êxito, não seria melhor tentar um acordo com a outra parte?
Paralelamente, os operadores do direito terão de reaprender a escrever, ou aprender a programar. A partir do momento em que inteligência artificial responderá por grande parte da leitura de petições, contratos e documentos, utilizar os algoritmos corretos para tornar sua petição e documentos “legíveis” de forma efetiva pela inteligência artificial é uma exigência anunciada.
Fazer seus argumentos serem corretamente analisados e, sendo o caso, diferenciados dos casos comuns, exigirá plena compreensão da IA utilizada pelos Tribunais e capacidade de falar a língua da inteligência artificial.
Mais um exemplo da necessária “colaboração” entre a máquina e homem para o exercício profissional do futuro próximo.
5. Diagnósticos personalizados
A próxima vez que você visitar o seu médico, o diagnóstico poderá ser feito com a ajuda de uma ferramenta de inteligência artificial.
A Mundipharma Portugal e a IBM Portugal criaram uma solução que utiliza a inteligência artificial para o tratamento do diabetes tipo 2.
A World Artificial Intelligence for Diabetes (W.AI.DI), possibilita que os médicos identifiquem os fatores-chave para um tratamento mais individualizado da doença, como as características físicas e psicológicas do paciente, a definição de um alvo terapêutico e a substância ativa que melhor se adapta à sua condição.
A inteligência artificial será uma divisora de águas em questão de saúde, possibilitando a todos maior conhecimento de seu DNA, genoma, logo, predisposição para doenças, alimentos condizentes com seu perfil genético e estilo de vida, tratamentos para doenças preexistentes, entre milhares de outras disrupções já em desenvolvimento.
O combate à COVID-19 está tendo utilização maciça de tecnologia e inteligência artificial, sendo esta uma das principais razões do desenvolvimento de vacinas em tempo recorde, impensáveis poucos anos atrás.
Conclusão
As mudanças causadas pela inteligência artificial tornam diversos empregos “ultrapassados”, ao mesmo tempo em abrem uma janela enorme de possibilidades para empreendedores, além de um impacto ultra positivo na qualidade de vida das pessoas. Isso é fato.
E é natural que os dados inquietantes apresentados acerca disso criem uma zona de perturbação para aqueles que ainda insistem em evitar a realidade digital e seu avanço exponencial.
Todavia, acredito que as atividades humanas não serão substituídas, na medida em que é impossível para a máquina ter as mesmas ligações cognitivas infinitas inerentes às pessoas, principalmente a capacidade de criar.
Ao ser questionado se a inteligência artificial deseja colocar a mente humana dentro do computador, John McCarthy, do qual falamos no início do texto, respondeu:
Alguns pesquisadores dizem ter esse objetivo, mas talvez estejam usando a frase metaforicamente. A mente humana possui diversas peculiaridades, e não tenho certeza de que alguém pense seriamente em imitar todas elas.